terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Como lidar com os anjos e os demônios interiores

Leonardo Boff

O ser humano constitui uma unidade complexa: é simultaneamente homem-corpo, homem-psique e homem-espírito. Detenham-nos no homem-psique, vale dizer, no seu mundo interior, urdido de emoções e paixões, luzes e sombras, sonhos e utopias. Como há um universo exterior, feito de ordens-desordens-novas ordens, de devastações medonhas e de emergências promissoras, assim há também um mundo interior, habitado por anjos e demônios. Eles revelam tendências que podem levar à loucura e à morte e a energias que nos podem trazer realização e felicidade.

Como observava o grande conhecedor dos meandros da psique humana C. G. Jung, a viagem rumo ao próprio centro pode ser mais perigosa e longa do que a viagem à Lua e às estrelas.

Há uma questão nunca resolvida satisfatoriamente entre os pensadores da condição humana: qual é a estrutura de base de nossa interioridade, de nosso ser psíquico? Muitas são as intérpretes.

Sustentamos a tese de que a razão não comparece como a realidade primeira. Antes dela há todo um universo de emoções que agitam o ser humano. Acima dela há inteligência, pela qual intuimos a totalidade, nossa abertura ao infinito e o êxtase da contemplação do ser. As razões começam com a razão. A razão mesma é sem razão. Ela simplesmente está aí, indecifrável.

Mas ela remete a dimensões mais primitivas da realidade humana, das quais se alimenta e que a perpassam. A razão pura kantiana é uma ilusão. A razão sempre vem impregnada de emoção, fato aceito pela moderna epistemologia. A cosmologia contemporânea inclui na ideia do universo não apenas energias, galáxias e estrelas, mas também o espírito e a subjetividade.

Conhecer é sempre entrar em comunhão interessada e afetiva com o objeto do conhecimento. Tenho sempre sustentado que o estatuto de base do ser humano não reside no cogito cartesiano (no eu penso, logo sou), mas no sentido platônico-agostiniano (no eu sinto, logo existo), no sentimento profundo. Este nos põe em contato com as coisas, percebendo-nos parte de um todo maior, sempre afetando e sendo afetados. Mais que ideias e visões de mundo, são os sentimentos, o amor e seus contrários, que nos movem.

A razão sensível lança suas raízes no surgimento da vida, há 3,8 bilhões de anos, quando as primeiras bactérias irromperam e começaram a dialogar quimicamente com o meio para sobreviver. Esse processo se aprofundou a partir do momento em que surgiu o cérebro lambisco dos mamíferos, há mais de 125 milhões de anos, portador de cuidado e amor pela cria. É a razão emocional que alcançou o patamar autoconhecimento e inteligente com os seres humanos, pois também somos mamíferos.

O pensamento ocidental é logocêntrico e antropocêntrico e sempre colocou sob suspeita a emoção por medo de prejudicar a objetividade da razão. Em alguns setores da cultura, criou-se uma espécie de lobotomia, quer dizer, uma grande insensibilidade face ao sofrimento humano e aos padecimentos pelos quais tem passado a natureza e o planeta.

Nos dias atuais, nos damos conta da urgência de, junto com a razão intelectual irrenunciável, incluir a razão sensível e cordial. Se não voltarmos a sentir com afeto e amor a Terra como nossa Mãe e nós, como a parte consciente e inteligente dela, dificilmente nos moveremos para salvar a vida, sanar feridas e impedir catástrofes.

Ninguém nos poderá substituir. Somos condenados a ser mestres e discípulos de nós mesmos.

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